domingo, 17 de março de 2013

Receita de cuidado










Quando despertares para a manhã
Toma do teu leito teu corpo e anda
Reconhecendo-te no dia-a-dia
Pois o mundo reclama teus olhos agora.

Quando a tarde te surpreender e te encontrares pequeno
Acorda para uma sonho e caminha
Buscando seguir um norte...uma via
Pois a vida requer esperança

Quando anoitecer e surgirem as primeiras estrelas
Em meio as tuas dores, sorri
Porque mais uma lua passa e teu tempo avança
Tornando a morte tua irmã mais próxima.  

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Violeta


Medo do lobo quantas jovens meninas não já sentiram?

Chapeuzinho Vermelho, Chapeuzinho Amarelo, Fita Verde... e tantas outras. A menina da vez chama-se Violeta. Violeta é uma pequena, brejeira que só! Pele misturada e brasileira. Marrom, marrom... com um dedinho de caramelo. Anda, sempre, com uma violetinha presa aos cabelos sarará que, por puro charme, faz descer-lhe um cachinho pela face. Há marcas em seu corpo. Marcas de vacina, quedas e castigos. A menina, nascida perto do céu, sabe soltar pipa como um menino, mas também aprendeu a lavar e a passar muito bem.

Sua mãe, um dia – assim como as mães das outras histórias – a chamou para um visita. A encomenda a ser entregue não traduzia qualquer tipo de beleza ou cortesia. Apenas documentava o contexto social de sua existência. A casa dos “tios” ficava ali mesmo, algumas vielas adiante. Era preciso destreza e coragem para ultrapassá-las. Sua mãe – no conto de Violeta – é mulher jurada... se a encomenda não chegar a tempo e a hora.

A menina desce e sobe as escadarias daquela vasta cidade. Sua  casa e seu território são prisões! “Gostaria que este tempo fosse outro tempo”, sonha. No caminho, encontra com os colegas pipeiros e joga conversa fora. A lanhouse fica ali pertinho e não custa nada dar uma passadinha para atualizar o MSN e o Orkut. Em seguida, avista o bar-quitanda do Seu José; uma portinha com tudo dentro. Aumenta a conta comprando uns “lances da hora” e um creme hidratante super cheiroso para peles escuras. Um funk proibidão, vindo da casa vizinha, marca seus passos de “moleque doido”.

A porta da noite se fecha e abraça os olhos de Violeta. A menina fuma dois cigarros olhando, da laje, as estrelas. Chupa uma bala de hortelã para disfarçar o hálito. A encomenda fica para o dia seguinte.

Ao chegar em casa, confere as violetas expostas na janelinha dos fundos. Estão murchas.

Os lobos haviam devorado sua mãe. Agora... aguardam a sobremesa.

 

 

 

 

 

domingo, 8 de julho de 2012

Releituras

Quero ser amor


Amor está doente para ser

ó antigo ardor dos seres

deixa-me ser amor

só amor doendo nos dias frios das gentes.

(...)

Só amor doente para ser na terra vazia do meu peito.

Só amor debaixo das árvores e das sombras do meu peito.

Só amor plantado nas macias redes da solidão do meu peito.
 
(...)
 
Sobre o poema de José Craveirinha, Quero ser tambor.
 
 
Qualquer lugar





Edifícios entre ondas

Homens entre paralelepípedos

Camelôs sujeira apupos



Uma mulher sai apressada

Uma criança salteia

Um sonho arranca



Rapidamente...os sinais fecham.

Eta vida tísica, meu Deus.
 
 
Sobre o poema de Carlos Drummond de Andrade, Cidadezinha Qualquer.

sexta-feira, 5 de março de 2010

O cortejo



Quero escrever, mas a inquietude subverte a razão.
Ontem, passei o dia na cozinha.
Gosto de sentir cheiros, gostos, texturas...
Minha avó dizia sempre que em meu balaio cabia era vida!!
Vida, sim. Contínua vida em passos de hortelã e cominho...
Sementes desencontradas formando sonoridades caóticas...
Sinfonias estaladas de panelas.

O cortejo segue longe, mas ouço a música e a morte é triste, triste como a vida:
é difícil ser gente.
Quando menina sonhava com marido.
Hoje, sonho com instantes de alegria.
Acostumei-me com sobressaltos.
Papai, diariamente, a gritar:
_Apaguem a luz! Não sou sócio da light!
E a luz se foi quando ele parou de gritar.
Em intervalos de vida ainda ouço um interlúdio.

É ordinária a forma como lidamos com a existência!
O cortejo,
Sons e sons,
Peixe ainda no fogo,
Quintal sem cachorros,
Criança e soluços...
Mistérios de Deus,
do Deus de Amor que um dia conheci.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Violeta

Medo do lobo quantas jovens meninas não já sentiram? Chapeuzinho Vermelho, Chapeuzinho Amarelo, Fita Verde... e tantas outras. A menina da vez chama-se Violeta. Violeta é uma pequena, brejeira que só! Pele misturada e brasileira. Marrom, marrom... com um dedinho de caramelo. Anda, sempre, com uma violetinha presa aos cabelos sarará que, por puro charme, faz descer-lhe um cachinho pela face. Há marcas em seu corpo. Marcas de vacina, quedas e castigos. A menina, nascida perto do céu, sabe soltar pipa como um menino, mas também aprendeu a lavar e a passar muito bem.

Sua mãe, um dia – assim como as mães das outras histórias – a chamou para um visita. A encomenda a ser entregue não traduzia qualquer tipo de beleza ou cortesia. Apenas documentava o contexto social de sua existência. A casa dos “tios” ficava ali mesmo, algumas vielas mais adiante. Era preciso destreza e coragem para ultrapassá-las. Sua mãe – no conto de Violeta – é mulher jurada... se a encomenda não chegar a tempo e a hora.

A menina desce e sobe as escadarias daquela vasta cidade. Sua casa e seu território são prisões! Ela gostaria que este tempo fosse outro tempo. No caminho, encontra com os colegas pipeiros e joga conversa fora. A lanhouse fica ali pertinho e não custa nada dar uma passadinha para atualizar o MSN e o Orkut. Em seguida, avista o bar-quitanda do Seu José; uma portinha com tudo dentro. Aumenta a conta comprando uns “lances da hora” e um creme hidratante super cheiroso para peles escuras. Um funk proibidão, da casa vizinha, marca seus passos de “moleque doido”.

A porta da noite se fecha e abraça os olhos de Violeta. A menina fuma dois cigarros olhando, da laje, as estrelas. Chupa uma bala de hortelã para disfarçar. A encomenda fica para o dia seguinte.

Ao chegar em casa, confere as violetas expostas na janelinha dos fundos. Estão murchas.

Os lobos haviam devorado sua mãe. Agora...
...aguardam a sobremesa.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Para não dizer que não falei cantando

Às vezes, gosto de sentar e escrever versos:
versos de reminiscências, versos de dores a descobrir.
O poeta escreve para não morrer
ou, por medo de morrer, escreve o que é
ou sobre o que foi ou jamais virá a ser,
sempre... sempre sob o cunho do medo.
Pensei no maestro do Brasil e,
“jobiniando”, em sua deep bossa,
vi recortes de mim na carta ao Tom 74.
Nunca fui mulher de sol, “garota de Ipanema”.
Sou daquelas que, de madrugada, levanta como Adélia,
com sede, falando de amor e pesadelos,
repleta de uma humanidade grávida de sensações, quase “wave”,
compelida a ser um vaso.

O poeta guarda sempre uma pequena ferida,
uma insensatez no dizer das palavras em flor
abertas ... ou fechadas em fendas de luz, suores ou matizes.
Vejo, daqui, desta janela-poema, o paralítico Corcovado!
A lembrança, de meu pai e do passado, ressoa como os sinos das igrejinhas,
como as sirenes dos navios e das barcaças... gargalhadas que não voltam mais!
Mas... “chega de saudade!”, grita meu coração.
O samba da vida é samba de uma nota só.

Oh, Deus! Queria poder guardar os teus rebanhos, mas o tempo...
o tempo sucumbe.

Jacqueline Barros - Niterói, 29 de outubro de 2007.

Pai e filha

Pai e Filha
O pai é grande e forte como um jequitibá. Sua voz soa como a de um trovão em avermelhadas tardes de tempestade.
Os vizinhos acreditam ser ele o homem mais feliz da Terra.
Pai e filha acreditam!
Ah!... A filha é inteligente e gordinha como um filhote de coruja. Gosta de invencionices e da fantasia dos contos de fadas.
Pai e filha andam juntos: comungam idéias, dividem e somam carinhos.
Pai e filha sobem montanhas e árvores, comem frutas e dores, mastigam chicletes e gritos, rasgam papéis e perdões.
Pai e filha finalizam tarefas – cada qual a sua – e juntos calam, no silêncio do Amor, a admiração mútua.
Pai e filha zangam, ralham, criticam duramente seus modos, compartilham suas dúvidas, seus erros e anseios.
Pai e filha abraçam-se com força estranha e dolorida, força que marca o corpo e a alma, força que renova a esperança e exalta o espírito.
Pai e filha não duram o espaço do sempre sobre a Terra; sabem que o amanhã chega e que somente além do horizonte habitarão no sempre.
Mas...Pai e filha nunca querem dizer “Adeus”.
Pai e filha recordam os passos do passado, nas trilhas traçadas por seus pés, pelos pés de seus antepassados, suas mentes e corações... sobre a terra adorada e repleta de desigualdades, vestida de azul e amarelo.
Pai e filha reconhecem suas lágrimas e desejam sair pelo mundo, de braços dados, escrevendo poesias sobre vida e verdade, pintando os muros, pichados de violência, com palavras de consolo e gratidão a Deus, cantando a fé e fazendo a revolução mais extraordinária de todas as revoluções: a da extinção da fome. Pai e filha lhe dariam o nome de “A Revolução Gentil”, em homenagem ao profeta metropolitano, Gentileza.
Pai e filha.
Ambos prenunciam o fim.
E o pai tem seu tempo antes do tempo da filha. É o momento de crer em um... “Até breve!”
..................
A filha está só e abatida. Olha para o Caminho, olha às setas na estrada e o amparo da luz.
Sabe, no entanto, que não basta olhar. É preciso Ver!
É preciso...
recomeçar.

Mãe e filha
A mãe é inteligente e fofa como uma sábia coruja...