terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Violeta

Medo do lobo quantas jovens meninas não já sentiram? Chapeuzinho Vermelho, Chapeuzinho Amarelo, Fita Verde... e tantas outras. A menina da vez chama-se Violeta. Violeta é uma pequena, brejeira que só! Pele misturada e brasileira. Marrom, marrom... com um dedinho de caramelo. Anda, sempre, com uma violetinha presa aos cabelos sarará que, por puro charme, faz descer-lhe um cachinho pela face. Há marcas em seu corpo. Marcas de vacina, quedas e castigos. A menina, nascida perto do céu, sabe soltar pipa como um menino, mas também aprendeu a lavar e a passar muito bem.

Sua mãe, um dia – assim como as mães das outras histórias – a chamou para um visita. A encomenda a ser entregue não traduzia qualquer tipo de beleza ou cortesia. Apenas documentava o contexto social de sua existência. A casa dos “tios” ficava ali mesmo, algumas vielas mais adiante. Era preciso destreza e coragem para ultrapassá-las. Sua mãe – no conto de Violeta – é mulher jurada... se a encomenda não chegar a tempo e a hora.

A menina desce e sobe as escadarias daquela vasta cidade. Sua casa e seu território são prisões! Ela gostaria que este tempo fosse outro tempo. No caminho, encontra com os colegas pipeiros e joga conversa fora. A lanhouse fica ali pertinho e não custa nada dar uma passadinha para atualizar o MSN e o Orkut. Em seguida, avista o bar-quitanda do Seu José; uma portinha com tudo dentro. Aumenta a conta comprando uns “lances da hora” e um creme hidratante super cheiroso para peles escuras. Um funk proibidão, da casa vizinha, marca seus passos de “moleque doido”.

A porta da noite se fecha e abraça os olhos de Violeta. A menina fuma dois cigarros olhando, da laje, as estrelas. Chupa uma bala de hortelã para disfarçar. A encomenda fica para o dia seguinte.

Ao chegar em casa, confere as violetas expostas na janelinha dos fundos. Estão murchas.

Os lobos haviam devorado sua mãe. Agora...
...aguardam a sobremesa.

10 comentários:

  1. Oi JB.
    Corrosiva, a história desta Chapeuzinho Vermelho dos tempos modernos. Cortante como arame farpado. Nem por isto menos tragicamente verdadeira.
    A moral da história parece ser: em tempos de guerra, paga-se um preço caro pelos pequenos prazeres da infância e da adolescência. Não há lugar para distrações ingênuas. Tempo sombrio, este que vivemos.

    Beijo.

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  2. Olá, Jaqueline!

    As meninas de hoje são mulheres muito cedo....e, muito cedo aprendem a se defender...
    Guardam as cicatrizes das quedas, das vacinas e das surras, como guardam as cicatrizes da vda.
    É, Jaqueline, ago precisa-se fazer, não é mesmo?!
    Adorei seu espaço.
    Muita paz a você!
    Beijosssssssssssss

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  3. O mais assustador é que essa realidade está mais próxima do que imaginamos. Parece que toda a condição decaída do Ser humano alcança seu limite máximo roubando tão cedo a inocência, maltratando e distorcendo vidas tão prematuramente....ficamos tristemente assutados!!!!
    Um beijo minha abelha!!!

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  4. Assino o comentário do Jens - é isso aí.
    Parabéns pela escritora que você é!
    Um beijo.

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  5. Menina, teu texto tornou-se mais real do que a propria realidade.
    A fria e verdadeira estória de inumeros chapeusinhos nele se reflete.
    As palavras emolduram a idéia.
    Valeu!

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  6. Um conto bem atordoante..
    Será que quem mora na favela "merece" tanto castigo?

    Jacque, já sou seu seguidor. Estarei sempre por aqui. É garantia de boa leitura...
    Meu blog é:
    http://www.brincadeiradavida.blogspot.com/

    Beijos!

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  7. vISITAR SEU BLOG É VISITAR SUA ALMA, O QUE PARA MIM É INDISPENSÁVEL, POIS ALMAS-IRMÃS NÃO SE DESVENCILHAM. COM TODO O MEU AMOR RECEBO CADA PALAVRA SUA, COMO ARTE PURA E REFINADA. BEIJOS.

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  8. Imaginei cada viela descrita no seu texto,caminhei por elas, compartilhei da dor, do amor e de cada intensa sensação de Violeta.Sou uma pessoa melhor depois de seu texto. Obrigada. Beijos de sua irmã.

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  9. Sou feliz por ser sensível a ponto de amar suas obras.Posso desfrutar delas e a vida fica melhor.

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  10. Que leitura maravilhosa e impactante devido sua atualidade! Mesmo contextualizando com uma história infantil, não deixa de ser forte. Em cada esquina de nossas ruas encontramos as atuais chapeuzinhos ( Violeta) e os vorazes lobos à espreita......parabéns prof. Sempre surpreendendo!

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